terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O que me constrange

Esquina da Barão da Amazonas com a Ipiranga, perto da meia-noite, um menino magricelo e pequeninho, por volta dos 12 anos, pede dinheiro para comer. Debruça-se sobre a janela do carro, implora por moedas, por mais moedas, pois diz que está morrendo de fome. Como as nossas moedas eram poucas, ele começa a chorar. Eu entro em desespero e não sei o que fazer, fico com vontade de sair correndo, ele não desgruda do carro. O sinal já abriu e já fechou de novo. Eu passo o sinal vermelho. Eu fujo.
Eu fico constrangida. Não é, de forma alguma, o constrangimento a que se referem ZH e outros veículos de comunicação, mas além de profundamente triste, eu fico constrangida de viver em um mundo em que crianças estejam passando necessidades imensas e estejam humilhando-se nas sinaleiras, sendo ignoradas e destratadas várias vezes por dia. Eu me sinto mal de viver nessa cidade e de não enxergar o que eu posso fazer para melhorar a situação dessas pessoas.
O trabalho do Boca de Rua é importante e me orgulho dele, mas por vezes me parece tão pequeno diante da representação que a maioria dos habitantes constrói sobre os moradores de rua. Parece tão pequeno diante da brutalidade com que eles são tratados, do desrespeito, do olhar que carrega um preconceito tão grande.
Eu defendo que as pessoas possam viver nas ruas, se assim desejarem. Acredito que seja uma possibilidade, uma escolha para alguns, que não desejam se adequar às normas impostas pelo restante da sociedade. Entretanto, a minha visão sobre as crianças é distinta. O lugar delas não é na rua de madrugada, não pode ser uma opção se não lhes foram mostradas as demais possibilidades. E se eu já não sinto tanta pena dos adultos que estão nas ruas (eu tenho respeito por eles e fico indignada com o tratamento que recebem, o que é bem diferente), o único sentimento que eu guardo para as crianças é de dor.
O meu assunto é sempre o mesmo, mas não é por acaso que eu trabalho com essas pessoas há mais de 3 anos. Não é por acaso que é sobre elas o meu projeto de dissertação. É porque nada me dói mais do que saber (e ver, e ouvir) que são tratados como se não fossem seres humanos.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

No alarm and no surprises


O Radiohead confirmou turnê no Brasil em 2009.




Aaaaaaah, morro de tristeza se não conseguir comprar ingresso.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

It`s the end of the world as we know it (and I feel fine)


This one goes out to the one I love


Eu acho totalmente desnecessário que o JN faça uma série de matérias sobre "os dilemas do próximo presidente estadunidense", mas não posso deixar de me emocionar e de ter esperanças de que realmente ocorram mudanças. Se eu não puder ter esperanças de que o mundo algum dia mude, ou de que existam de fato pessoas com vontade e capacidade de tornar a vida dos seres menos sofrida, não tenho mais o que fazer por esta vida. Eu não tenho nenhuma vergonha de ter chorado quando na quarta, ao acordar, descobri que nenhuma fraude tinha superado o Yes we can.
E o Zequinha Stadium é um bom lugar para shows. E o Stipe falou umas 4 vezes do Obama e, falem o que quiserem, ele anima horrores. Eu fico muito feliz de ter estado lá, na comemoração do REM pelo seu novo presidente, possivelmente no maior show do Brasil, em uma linda apresentação.
Durante três horas de hoje, eu esqueci das minhas tristezas e dos meus pontos. Because
Everybody hurts.
Take comfort in your friends.
Everybody hurts.
Don’t throw your hand.
Oh, no. Don’t throw your hand.I
f you feel like you’re alone, no, no, no, you are not alone

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Moradores de rua perguntam aos candidatos

Do blog do Boca de Rua:

Os integrantes do Boca de Rua elaboraram nove perguntas aos candidatos à prefeitura de Porto Alegre, José Fogaça (PMDB) e Maria do Rosário (PT). As perguntas foram encaminhadas às assessorias das candidaturas no dia 10 de outubro, às 16h30min. A assessoria da candidata Maria do Rosário enviou as respostas no dia 18, às 20h30min. Avisamos, então, a assessoria do candidato José Fogaça que, se não recebêssemos suas respostas, teríamos que publicar somente a entrevista de Maria do Rosário. Até o momento, não recebemos retorno da assessoria de Fogaça, portanto, seguem abaixo as respostas da candidata Maria do Rosário.
Moradores de Rua perguntam à Maria do Rosário:
O que você fará pelos moradores de rua de Porto Alegre, caso seja eleita prefeita?
Vamos trabalhar políticas de redução da pobreza integradas às ações de assistência social, educação, saúde e geração de renda. Também vamos abrir Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) para atender quem quer se livrar das drogas, como o crack, e para os portadores de sofrimento psíquico, garantindo apoio também às suas famílias. As escolas públicas municipais serão abertas à noite com cursos profissionalizantes para dar chances de trabalho às pessoas que hoje têm dificuldades de arrumar emprego.
Qual você acha a melhor política de atendimento relativo à moradia: construir casas ou aumentar o número de albergues?
A possibilidade de uma moradia própria, sem dúvida, é a melhor opção no sentido de garantir ao cidadão a sua autonomia. Por isso, o nosso programa de governo tem propostas sólidas para a política habitacional e para a regularização fundiária, como a retomada do Programa Urbanizador Social, em que a prefeitura se articula com a iniciativa privada para a construção de loteamentos populares regulares a baixo custo. A albergagem é uma política necessária, mas não pode ser confundida com moradia, que é aquele lugar que cada um pode chamar de casa. Até mesmo a rua pode ser chamada de casa por quem nela mora, mas não um albergue, que é um local em que as pessoas vão por absoluta necessidade.
A violência contra moradores de rua, inclusive por parte da BM, Polícia Civil e Guarda Municipal aumentou nos últimos anos. O que você fará sobre isso, se for eleita?
Os moradores de rua são cidadãos e merecem respeito, não podem ser tratados com violência e truculência. O que deve ser combatido com firmeza é a criminalidade, por isso não se justifica a agressão contra os moradores de rua. Vamos investir em formação e qualificação profissional dos agentes de segurança sob responsabilidade do município para que a atuação seja cada vez mais responsável e adequada.
Não há na prefeitura políticas para organizar cooperativas de trabalho para moradores de rua. Você tem proposta para isso?
Certamente. Foi nos governos da Frente Popular que criamos o RAP (Programa de Reinserção na Atividade Produtiva), que todos os moradores de rua de Porto Alegre conhecem. Queremos retomar este programa, que foi abandonado pelo governo Fogaça, para que as pessoas que vivem nas ruas possam ter o orgulho de prover o sustento com o suor do próprio trabalho.
Sobre saúde: a população de rua precisa de melhor atendimento, especialmente à noite. Você tem proposta para isso?
Sim. Fogaça prometeu abrir mais postos de saúde à noite e não fez nenhum. Se nós vencermos a eleição, vamos levar adiante esta proposta e abrir mais postos de saúde à noite para toda a população. E, como não aceitamos qualquer tipo de discriminação com quem mora na rua, estes postos também estarão abertos aos moradores de rua.
Como vai ficar a questão dos guardadores de carro na sua gestão?
A questão dos guardadores é conseqüência do desemprego e deve ser tratada em várias frentes. Porto Alegre precisa se inserir na boa onda de crescimento econômico promovida pelas políticas de desenvolvimento do Governo Lula. Com a criação de um ambiente de inovação tecnológica, o fomento ao pólo de produção em saúde, a municipalização do Porto, a abertura da Agência de Desenvolvimento Metropolitano, conjugadas com as Escolas Técnicas e a Educação de Jovens e Adultos, nossa cidade terá empregos e oportunidades de qualificação não só para os guardadores, mas também para carroceiros e carrinheiros. Vamos cumprir a lei que já existe e registrar os guardadores de carros no sindicato da categoria, garantindo que a população usuária de automóvel passe a ver a atividade com mais respeito.
Como você vai resolver o problema da Casa de Convivência I, um importante espaço para os moradores de rua, que corre o risco de fechar?
Não só na Casa de Convivência I, mas em toda a rede assistencial da cidade, vamos retomar as boas práticas da Frente Popular, investindo os recursos necessários à manutenção digna das atividades.
Para fazer a revitalização do espaço do centro será necessário lidar com os moradores de rua que ficam ali. Você tem projeto para incluir essas pessoas em vez de removê-las?
Garantir dignidade às pessoas é um dos conceitos chave de nossa gestão. Por isso, entendemos que qualquer ação de impacto estrutural deve vir acompanhada de políticas públicas capazes de dar conta das demandas sociais. No caso da revitalização do Centro, é preciso buscar soluções de inclusão efetiva dos moradores de rua, pois a remoção das pessoas dali, além de agredir a dignidade humana, é uma medida meramente paliativa. Nosso programa de governo prevê a oportunização de cursos profissionalizantes e geração de renda, além da criação de cooperativas de trabalhadores, como alternativas para incentivar a inclusão de grupos como os moradores de rua. Os próprios moradores serão incluídos nas estratégias de revitalização do Centro, podendo trabalhar com a limpeza das vias, a jardinagem dos canteiros e praças e até mesmo como guias turísticos.
Foi realizado um censo sobre a população de rua, no início do ano, com a promessa de constituir políticas públicas para essa população. Até agora não vimos nada ser feito. Se vocês for eleita, o que fará?
A pesquisa realizada pela UFRGS indica que aumentou o número de crianças de zero a seis anos nas ruas, de 8% para 20%. E, infelizmente, o número de crianças maiores de seis anos só não cresceu porque muitas delas morreram vítimas do crack. Por isso, a atitude de nossa gestão em relação às crianças será imediata, no sentido de localizar a família e iniciar o acompanhamento para que seja retomado o vínculo, se não com o pai ou a mãe, com uma avó, tia, tio ou familiar que se responsabilize. Caso a pessoa em situação de rua seja adulta, além do auxílio psicológico, quando necessário, será providenciado o encaminhamento para programas de qualificação profissional e moradia, pois a melhor forma de dar condições à população de rua é oportunizando casa e emprego. A questão do HIV/AIDS também nos preocupa muito, pois não há políticas adequadas hoje para tratar das pessoas soropositivas.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Ela era pessoa pública, então podemos bisbilhotar

Hoje, esperando no xerox da Fabico, acompanho o enterro da menina Eloá pela Record News. O jornalista comenta que cerca de 5000 pessoas estão presentes, já que a adolescente era pessoa pública e muito querida.
Ela não era pessoa pública e é absurdo utilizar um argumento tão canalha para explicar o sensacionalismo impressionante que domina a cobertura do caso. Repórteres constrangendo os amigos do rapaz para tentar cavar alguma informação no estilo "ele era muito ciumento, transtornado e queria bater em quem olhasse para ela". Jornalistas desrespeitando pessoas, ignorando a dor delas para vender matérias.
Essas informações não são relevantes. São utilizadas pelos meios de comunicação para chamar a atenção de pessoas que só podem ser ingênuas, caindo nos truques televisivos. Ana Maria Braga tecendo comentários sobre a sanidade mental do sequestrador, com auxílio de psicólogo/psiquiatra (ela não soube dizer a profissão do seu convidado): "Doutor, como podemos identificar se o namorado da nossa filha não é um sequestrador em potencial?", pergunta a loira-esperta.
O jornalismo brasileiro é uma vergonha e, ao que parece, fica muito feliz com a ocorrência de casos como esses, que podem render no mínimo uma semana de matérias insensíveis e que invadem a vida de todos os envolvidos sem qualquer consideração. E sem nenhuma avaliação da pertinência e da necessidade de revelar certos fatos.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Yes, we can

Bonitos, o discurso e o vídeo. Ainda mais vindo do Will.i.am, do Black Eyed Peas.


"Yes we can to justice and equality. Yes we can to opportunity and
prosperity. Yes we can heal this nation. Yes we can repair this
world. Yes we can."




sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Os candidatos e os moradores de rua

1) Matéria publicada na ZH de domingo sobre o posicionamento dos candidatos à prefeito em relação aos moradores de rua. Sempre a mesma jornalista, que insiste em utilizar as palavras "constrangimento" e "extorsão" para se referir a essa parte da população.
Incrível a declaração do candidato Carlos Gomes, que acredita que tais pessoas deveriam ser retiradas à força das ruas, já que não é correto que "40 ou 50" seres fiquem constrangendo os cidadãos. Além de demonstrar uma postura autoritária, prova que é um ignorante, já que não sabe que na cidade que pretende governar existem mais de mil pessoas em situação de rua.
E mais: Maria do Rosário reforça a representação social dominante sobre os sem-teto ao dividí-los em dois grupos, os que apresentam algum distúrbio psicológico e os que andam armados e são ameaça. São, portanto, problema de internação psiquiátrica ou de prisão pela Brigada Militar. E só. Não apresenta nenhuma proposta sobre melhoria dos abrigos, sobre continuação do Programa de Reinserção à Atividade Produtiva (RAP), sobre mais respeito das polícias com esses sujeitos. Seu comentário desconsidera a diversidade de motivos que leva os indivíduos para as ruas e os faz ali permanecer e os reduz a duas categorias estereotipadas.
2) Entrevista com Maria do Rosário publicada hoje em ZH. Questionada sobre "o pior de Porto Alegre", responde: as pessoas que vivem na rua.
Não poderia ter me deixado mais triste.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Comemoração de aniversário: 8 anos do Boca de Rua

O jornal Boca de Rua há 8 anos mostra uma realidade que não aparece na grande mídia. Ao revelar esta outra verdade, contribui para a formação de pensamento crítico de todos os cidadãos.
Neste sábado, os integrantes do Boca de Rua reunir-se-ão para comemorar os 8 anos de existência do projeto e conversar com seus leitores. A partir das 14h, na Redenção, estarão expostas fotografias realizadas pelos moradores de rua em uma oficina realizada neste ano. Os jornais novos e antigos poderão ser comprados.
Há 3 anos, depois de muita persistência, consegui entrar para a Rede Boca. Logo que conheci o jornal, tive vontade de participar, mas não foi fácil encontrar e convencer a Clarinha. Os primeiros momentos no projeto foram de um estranhamento enorme e exigiram de mim um grande esforço para que conseguisse me adaptar - embora, por vezes, pense que ainda não consegui.
Por mais que o projeto enfrente muitas dificuldades e que muitas vezes as reuniões sejam cansativas e tumultuadas, eu posso afirmar que fazer parte deste jornal é um motivo de orgulho. Certamente, desde setembro de 2005 a minha vida e o meu olhar sobre ela foram profundamente modificados - e continuam sendo, a cada segunda-feira. Eu só tenho a agradecer aos integrantes do jornal, que me aceitam (mesmo com a minha braveza), me ensinam, me fazem sorrir e chorar. E aos queridos que compuseram a Rede Boca nestes anos, Manoel, Clarinha, Nanda e Rosina, que compartilham as alegrias e as dores deste trabalho.
Apareçam para falar com os guris (é provável que eles até cantem).
(O Bocão, que aparece sentado na foto do convite, é o único integrante que participa desde a fundação do jornal. Quem segura o cartaz é a querida Chineza. Certamente ela ficaria lisonjeada de estar ali.)

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Entrevista coletiva

Na próxima quinta-feira, 4 de setembro, às 14h30min, no Gapa/RS*, acontecerá uma entrevista coletiva com alguns integrantes do jornal Boca de Rua. A entrevista é uma iniciativa do Coletivo Catarse de comunicação, em parceria com o Boca, e será aberta a todos os que quiserem participar.
O objetivo é que a conversa gere textos semelhantes que serão publicados em blogs diversos, ao mesmo tempo. É uma forma de conceder mais espaço a um olhar sobre a realidade que não é publicizado pelos meios de comunicação, permitindo que os moradores de rua que integram o jornal possam responder a questionamentos de quem não vivencia a mesma situação. E uma oportunidade para que, além de entrevistadores, eles sejam também entrevistados, valorizando o que eles têm a contar.
*O Gapa/RS fica na rua Luiz Afonso, 234 - Cidade Baixa.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Despedida da Chineza


Este blog parece um obituário, mas ela merece a homenagem. Merece que todos saibam que existiu e que fez diferença em muitas vidas. Na minha, fez uma enorme diferença.


No dia 20 de agosto de 2008, pela manhã, faleceu Marko Kahn-Su Griá, a Chineza, integrante do Boca de Rua há muitos anos.


Nascida em uma reserva indígena kaingang, perdeu os pais e foi adotada pela professora da reserva, branca. A família da professora se mudou, de modo que a Chineza perdeu o contato com a reserva muito jovem. Algum dia, veio com uma tia fazer compras em Porto Alegre e se apaixonou pela cidade. Resolveu voltar em breve, com a garantia de emprego feita por um amigo. Quando chegou, não havia mais o emprego e ela ficou na rua. E nunca mais saiu. Foram quase 20 anos vivendo nas praças, parques e ruas da cidade.


A Chineza era muito especial. Era índio kaingag, era homossexual, foi travesti, era moradora de rua, era portadora do vírus HIV, era alcóolatra, carregava consigo inúmeros estigmas. Era inteligentíssima, era meiga, era esperta, era esforçada. Falava muito bem, gostava de ir ao cinema, de ler jornal. Na minha opinião, era um capítulo a parte na história do Boca de Rua. Extremamente orgulhosa do seu trabalho no jornal, sempre se podia contar com ela para ir às entrevistas, para escrever textos em casa/na rua, para participar dos eventos.


A Chineza foi organizadora de uma exibição semanal de vídeos na Casa de Convivência I - por isso, agora existe lá uma sala com o seu nome. Gostava de estar na rua com seus amigos, mas tinha consciência do preconceito e de como precisavam lutar para mudar a imagem do morador de rua, para se tornarem seres visíveis e respeitados.


Ela morreu em conseqüência da tuberculose e da pneumonia. Quando perdeu sua melhor amiga, a Barbie, parece que desistiu. Não quis mais se tratar. Foi encaminhada ao hospital, mas avisou que preferia morrer nas ruas, como as outras. Entretanto, no último momento foi para o hospital, e lá que morreu. A Funasa responsabilizou-se pelo enterro e levou-a de volta para a reserva, com o consentimento do cacique.


Só agora consegui escrever sobre ela. O terceiro afeto que perco em pouquíssimo tempo. Fica o pavor de não saber o que fazer para evitar que outros mais morram. Fica o vazio que essa querida amiga deixa em mim.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Posso tirar os óculos?

Há muitas coisas nessa cidade que me machucam.
A Cidade Baixa tem se tornado um lugar que me apavora, pois sei que sempre voltarei triste de lá. Posso parecer uma criança boba, mas o número de pessoas vendendo amendoins, incensos, meias, balas, santinhos ou simplesmente pedindo dinheiro me desperta um sentimento de impotência. Podem me dizer que, se eles estão ali, é porque conseguem vender, porque juntam algum dinheiro que lhes permita sobreviver (ao menos mais um pouco). Entretanto, eu não me conformo.
Na semana passada, encontrei um menino chamado Josias vendendo balas de goma. Ele deveria ter uns 5 anos e tinha um sorriso lindo, com covinhas imensas nas bochechas. Só tive vontade de pegar no colo. Nunca vou me acostumar com o trabalho de uma criancinha, que deveria estar brincando ou dormindo - já que eram 10 horas da noite. Nunca vou poder ser indiferente a isso.
Hoje eu saí sem óculos - só me dei conta quando estava no elevador, já que dentro de casa eu não preciso muito deles. Só andei uma quadra. É uma sensação agoniante: só chego à esquina porque conheço o caminho de olhos fechados, não reconheço ninguém, não encontro o que procuro no mercadinho. As cores e informações visuais me deixam tonta.
Já enxergo pouco.
Algumas coisas podiam ser assim simples: queria poder tirar meus óculos e não enxergar os Josias que me entristecem. Até posso, mas eles vão continuar ali - de modo que não adianta absolutamente nada e eu vou continuar chorando por isso.
Eis um texto egoísta e bobo, mas que precisava ser escrito.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Clube do Boquinha


Quem conhece o jornal Boca de Rua, conhece também o Boquinha, suplemento do jornal feito por 17 crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Para participar do Boquinha, a criança ou jovem não pode estar na rua e precisa estudar. Os encontros são dedicados a brincadeiras, passeios, desenhos e outras atividades lúdicas, além da construção de alguns textos coletivos.

Diferentemente dos integrantes adultos do projeto, as crianças não podem vender o jornal. Para evitar que isto aconteça e para, de alguma maneira, dar a elas um retorno de sua dedicação e participação, cada família ou instituição responsável pelas crianças recebe uma bolsa em dinheiro. Entretanto, a Alice, ong responsável pelo projeto, têm encontrado dificuldades para conseguir a verba necessária.

Surgiu, assim, a idéia do Clube do Boquinha, um grupo de pessoas interessadas em contribuir com este projeto. Hoje, no Zelig (Sarmento Leite, 1086), às 19h, haverá um encontro para a apresentação do Clube, com o intuito de conquistar novos colaboradores. Todas as presenças e todas as contribuições são sempre bem-vindas.







segunda-feira, 21 de julho de 2008

Em julho

1. No início de julho, a Fasc decidiu incluir a população de rua no "cadastro único", o cadastro das pessoas que recebem até meio salário mínimo por mês e que podem ser beneficiadas por programas do governo federal (como o Bolsa Família e o Pro-Jovem). Para isso, finalmente deixou de exigir comprovante de residência como documento necessário. Entretanto, continuam sendo cobrados outros documentos que a maioria dessas pessoas não carrega consigo, como carteira de identidade, CPF ou título de eleitor. Assim sendo, muitos moradores de rua permanecerão excluídos de tais programas. Por vezes, parece que quem trabalha nos órgãos destinados a atender quem está na rua nunca conversou ou conviveu com eles.
2. Na mesma semana, em frente ao HPS, um morador de rua tinha uma convulsão. Mais de dez pessoas estavam paradas ao redor, tentando ajudá-lo, segurando-o, mas ninguém queria carregá-lo por medo de machucá-lo. Como estavam na frente do hospital, chamaram os médicos. Ninguém apareceu. Quando passei por ali, três pessoas já haviam entrado no hospital para pedir ajuda e ninguém fez nada. Depois de muita confusão e de várias pessoas gritando no saguão, indignadas com o descaso, os passantes resolveram levá-lo para dentro do hospital e tiveram que entrar com ele na emergência. Os médicos e enfermeiros da SAMU, ao serem xingados, responderam que não tinham bola de cristal e que ninguém os havia chamado.
Foi dos momentos mais indignantes por mim vivenciados. Incrível a falta de preocupação com um ser humano por parte de pessoas que deveriam zelar pelas vidas dos outros. O único consolo foi saber que ainda existe muita gente que se importa e que enxerga os moradores de rua.
Freqüentemente os moradores de rua são destratados pelos serviços de saúde. O Marcelo, integrante do Boca que faleceu recentemente, foi até o hospital um dia antes de sua morte e o mandaram embora.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Despedida do Marcelo

O inverno torna a vida na rua muito mais difícil. Hoje perdi mais um amigo integrante do Boca de Rua. Marcelo Souza Guedes morreu dormindo na rua, provavelmente por causa do frio. É apenas junho e só nesse inverno faleceram duas pessoas que me eram queridas.
Fico imaginando o quão duro deve ser dormir ao relento em dias como ontem e hoje. Eu passo frio dentro da minha casa, onde tenho estufas, cobertas e muitas roupas. Vários deles dormem direto nas calçadas, sem nada para se cobrir.
Porto Alegre e outras cidades tão frias deveriam ter projetos efetivos para que as pessoas não precisem dormir nas ruas durante o inverno. As vagas são ampliadas, mas continuam insuficientes. E as regras continuam rígidas como sempre, o que impede o acesso.
Será que nem o frio torna os moradores de rua menos invisíveis?

quinta-feira, 19 de junho de 2008

De lá não sai fotos nas revistas

Eu queria mais 64 anos de músicas e composições dele.
Feliz aniversário aos mais lindos olhos da música brasileira!

A música que mais gosto do Carioca (e que poderia se referir a qualquer subúrbio):

Subúrbio
Chico Buarque


Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa

Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade

Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa

Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores

Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia

Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda

É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...

quinta-feira, 12 de junho de 2008

E o mundo tem uma Barbie a menos

Durante toda a minha infância eu fui apaixonada por Barbies. Foram sempre o meu brinquedo favorito e, além das bonecas, tive muitos outros apetrechos relacionados a elas (como a piscina, a sorveteria, a lanchonete, a cozinha).

Por isso, achei graça quando conheci a Barbie de carne e osso: uma pessoa pequeninha, com os cabelos descoloridos e curtos, uma voz mansa e de fala arrastada, bem diferente do que eu imaginava a boneca - que na minha imaginação infantil era uma mulher alta, esbelta e imponente. A Barbie porto-alegrense sempre aparecia trazida pela Chineza, mas nunca se demorava muito no Boca de Rua. Ela gostava de viajar e o fazia bastante. Se não me engano, da última vez caminhou de Minas Gerais até São Paulo. Voltou e resolveu entrar de vez no Boca. Foi aí que tive mais contato com ela.

Ela ganhou um crachá escrito Jerri e participou de dois encontros da oficina de vídeo que eu organizei. No encontro em que se decidiu que a Barbie representaria o papel da mãe no filme que faríamos, ela queixava-se de fortes dores de cabeça e do medo de ter uma doença mais grave.

Depois disso, a Barbie sumiu das reuniões. “Foi para o abrigo”, disse a Chineza. No dia da gravação do filme, não apareceu.

Hoje eu descobri que ela morreu no hospital da Vila Nova. Ao que parece, por falência múltipla dos órgãos. Desde que trabalho no jornal, é para mim a maior perda. Convivi muito pouco com ela, mas conheci uma pessoa alegre, contadora de histórias e que gostava muito de festas. Nas duas últimas vezes que a vi, estava se apagando, mas essa morte foi para mim muito inesperada.

Não sei se ela teve enterro, se ela tem família, se os amigos dela já sabem. Sei que passei todo o dia com uma sensação de impotência gigantesca e a única coisa que me senti capaz foi de prestar uma última homenagem a essa pessoa doce, o Jerri Santos da Costa.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Das pu




Dois acontecimentos bacanas que foram por mim descobertos essa semana:


1º) hoje ocorreu o lançamento da 4ª edição da revista Norte. Assim, já está disponível a continuação de Mariposa - uma puta história, o folhetim escrito por um grupo de prostitutas sobre o qual já escrevi. Desta vez, serão dois capítulos publicados. Não é só por ser muito entusiasta de projetos como esse que eu estou curiosa para ler. Realmente, ao ler a introdução por elas escrita, fiquei com vontade de saber mais.


2º) descobri, ao ler o site do Beijo da Rua, jornal feito no Rio de Janeiro que aborda temas relacionados à prostituição, que fotos feitas com a prostituta Jane Eloy, modelo da Daspu, ganharam um prêmio no Sony World Photography Awards na categoria Moda. O prêmio foi entregue em abril, em Cannes, à fotógrafa Isabela Pacini - que em 2006 fotografou a campanha primavera-verão da grife Daspu.
Acho ótimo que nas fotografias de Moda vencedoras não apareçam modelos brancas famosérrimas, extremamente magras e produzidas. E que os cenários não sejam exuberantes. Que não sejam campanhas dos estilistas renomados e que os padrões de beleza vigentes na nossa sociedade não estejam sendo reforçados.
Eis, acima, uma das fotos premiadas. Para ver mais e em melhor qualidade, clique aqui.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Good Friday na quarta-feira

Nessa semana, eu fui avisada de que minha viagem ao Rio de Janeiro não aconteceria porque o governo do estado fluminese não pagaria minha passagem. Eu tive a maior briga da minha vida com a Brasil Telecom e roguei pragas aos atendentes, meros funcionários que são instruídos a seguirem as normas ABSURDAS e desrespeitosas da empresa. Meu terceiro dente do siso resolveu que era a hora.

Enfim, não foi uma semana nada fácil, a não ser pelas notícias recebidas do meu professor passo-fundense.

Tudo o que eu não tive, portanto, foi inspiração para escrever qualquer coisa útil por aqui. Me encantei, porém, por essa propaganda (que me foi mostrada pelo Álvaro). Achei tudo lindo: a fotografia, os lugares, a modelo - linda, linda Olga Kurylenko. Eu amo essa música, Good Friday, minha preferida da(das) CocoRosie e provavelmente a que mais escutei no final de 2007. Vi muitas muitas vezes e serviu para me acalmar.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

"Limpeza social" em Vitória

É chocante que alguém possa pensar que matar moradores de rua seja solução para qualquer problema da cidade.
Casos de "limpeza social" são comuns em muitas cidades. No interior, é costume que as prefeituras paguem aos moradores de rua que chegam às cidades uma passagem de ônibus para onde eles quiserem, desde que deixem o local. Em Porto Alegre, a "limpeza social" tem outras formas e é praticada não só pela população, mas por secretarias da prefeitura (em especial a SMAM) e pela Brigada Militar.
07/05/2008 - 08h08
Três moradores de rua são mortos a tiros em Vitória

CÍNTIA ACAYABA
da Agência Folha
Três moradores de rua foram mortos a tiros em Vitória na madrugada de anteontem. Para a prefeitura da capital capixaba e para a Polícia Civil, os crimes podem ter sido um ato de "limpeza social" praticado por pessoas insatisfeitas com a presença das vítimas.

Segundo a Polícia Civil, os moradores de rua foram atacados enquanto dormiam sob a marquise de um prédio comercial no bairro Horto. O bairro é sobretudo residencial, mas há várias lojas na rua onde ocorreu o crime.

Foram mortos os mendigos Ercílio Novaes, 64, e João Alves Filho, 48, ex-técnico de enfermagem, e um catador de recicláveis identificado apenas como Adilson. Alves Filho chegou a acordar durante o ataque, mas foi atingido por quatro tiros e morreu no local. Ao todo, seis moradores de rua dormiam no local no momento do crime --um casal e outro homem conseguiram fugir. Ao menos uma testemunha teria presenciado o crime.

A Polícia Civil suspeita que apenas uma pessoa tenha atirado contra os homens. O delegado Orly Fraga Filho, responsável pelo caso, disse, por meio de assessoria, que a principal linha de investigação é que os moradores de rua tenham sido mortos porque supostamente incomodavam moradores e comerciantes da região.

Para a Secretaria da Assistência Social de Vitória, a hipótese mais provável para o crime é a de "limpeza social" e "higienização das ruas". A secretária Ana Maria Petronetto disse que a pasta já havia recebido denúncia sobre "risco de morte" dos moradores de rua.

"Já havia indícios de que essas pessoas poderiam morrer no local. Uma denúncia anônima dizia que as pessoas estariam correndo risco se permanecessem lá. Deixaram um recado para ter cuidado com violência na região", afirmou.

O prefeito João Coser (PT) disse na noite de ontem que não podia "especular" sobre as razões do crime e que a polícia está apurando o caso. "Registramos isso [hipótese de "limpeza social'] como uma preocupação da cidade. Como cidadão e cristão é inadmissível que isso possa estar ocorrendo em Vitória", afirmou.

Ana Maria Petronetto afirmou que vai acompanhar as investigações da Polícia Civil. "Estamos acionando o Conselho Municipal de Direitos Humanos porque trata-se de uma violação dos direitos humanos", disse.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Sobre o último final de semana

Alguém consegue imaginar o que deve ter sido dormir na rua durante os temporais que atingiram Porto Alegre no último final de semana? Pela quantidade de árvores que foram derrubadas pelo vento (e que ainda não foram retiradas), não deve ter sido nada agradável.
E ainda assim algumas pessoas pensam que viver na rua é fácil.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

terça-feira, 22 de abril de 2008

Boca de Rua na internet

Quem acompanha o trabalho do Boca de Rua pode agora ler na internet mais matérias e entrevistas feitas pelos moradores de rua. O Boca agora tem um blog.
A última edição rendeu muito mais textos e entrevistas do que poderia ser publicado no jornal impresso, por causa do limite de folhas por edição. Assim, surgiu a idéia de criar um blog, em que as entrevistas utilizadas nas matérias são disponibilizadas na íntegra, bem como poesias e outros escritos que precisaram ser cortados no processo de edição.
Para os que apreciam a outra visão dos problemas da cidade propiciada pelo jornal, e para os que têm críticas, eis um espaço para comentários e discussões.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Juízo











Assistam a Juízo, um filme de Maria Augusta Ramos.


Eu ainda estou digerindo, sem saber direito o que pensar.




Assisti ao filme-documentário ontem, na pré-estréia, com direito a debates-discursos depois. Algumas falas interessantes, uma sofrível, do representante da OAB/RS. A diretora declarou que o que pretende é que o filme seja um soco no estômago. Para mim foi - e me levou às lágrimas.




Veja o trailer aqui.




Depois disso, quero ver que âncora de televisão imbecil vai dizer que a FASE parece colônia de férias, cheia de atrativos, video-games e diversões.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Ainda sobre o constrangimento

Recebi hoje, por e-mail, um texto escrito pela socióloga e advogada Ana Paula Motta Costa, ex-presidente da Fase e da Fasc, participante do Fórum RBS que aconteceu na última terça-feira.
Eis o que ela diz:
"Constrangimento...
No último dia 2 de abril, participei junto com outros oito convidados de debate promovido pela Rede RBS sobre o tema do “constrangimento gerado pelos moradores de rua aos cidadãos”. De lá para cá, venho pensado sobre a experiência e os fatos ocorridos no debate, o que me faz trazer algumas questões para a reflexão. Parto do seguinte questionamento: o que, em toda a temática, deve causar constrangimento?
Penso que o constrangimento real e concreto é o fato de vivermos em uma sociedade em que muitas pessoas são submetidas a circunstâncias de vida sem a mínima dignidade, a tal ponto de ir para as ruas das cidades mendigarem ou buscar a sobrevivência diária, da forma em que esteja a seu alcance.
Constrangimento é ouvir o Subcomandante da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Cel. Mendes, dizer que recolhe pessoas, como se fossem lixo, e as leva sem o menor critério, visto que “são um saco de gatos”, para um quartel da Brigada Militar, mantendo-as privadas de liberdade por algumas horas. Trata-se, portanto, de uma autoridade pública de nosso Estado, que prende pessoas, sem estarem em flagrante delito e sem ordem judicial, pelo simples fato de estarem nas ruas. Como se criminalizar a pobreza estivesse no âmbito da sua absoluta discricionariedade, ou no espaço de poder que lhe está delegado institucionalmente.
Constrangedor é ouvir o juiz de direito Felipe Keunecke de Oliveira, responsável por uma Vara Criminal da Capital, dizendo que a solução para a criminalidade, ou para a pobreza, pois não necessariamente se estivesse tratando de crimes, é a construção de presídios. Visto que o “problema da sua própria atividade jurisdicional” estaria no constrangimento de ter que prender e não ter onde, ou ter que escolher entre autores de crimes de ameaça e latrocidas...
Constrangimento é observar a pressão a que foi submetida a única convidada do debate que trabalha junto à população de rua, Iara Ramos, como se ela, ou organização não-governamental que ela representa, é que estivessem equivocadas ao tratar as pessoas em situação de rua como “seres humanos”.
Parece que estamos vivendo um momento no Estado bastante constrangedor... As instituições e autoridades são capazes de ir aos meios de comunicação expressando-se como se não estivéssemos em um estado democrático de direito, onde existe uma Constituição que há quase vinte anos prevê diretos individuais, como o direito de ir e vir, para “todos os cidadãos”, além de diretos sociais, os quais devem ser tratados com força normativa e institucionalizante de uma ordem social capaz de garantir a dignidade humana.
Parece que temos muito a caminhar no sentido do desvelamento do pré-conceito que fecha os olhos das pessoas frente à humanidade de outras pessoas. A indiferença faz com que se sinta constrangimento frente ao invisível, que só ganha visibilidade quando faz aflorar as contradições sociais, que se prefere estejam escondidas.
Conforme refere Zigmunt Bauman, a sujeira só é sujeira dependendo do lugar em que ela se encontra. E exemplifica: o sapato pode estar limpo, se estiver no pé ou no chão. Se estiver em cima da mesa, por mais limpo que esteja, está fora de lugar, e representa a sujeira.
As pessoas que estão em situação de rua só “são consideradas lixo”, por quem as entende assim, e na medida em que estão “fora de lugar”, ou seja, se estiverem invisíveis à sociedade formal, presas ou encarceradas nas periferias, talvez não causem constrangimento..."

(Ana Paula Motta Costa)

E ainda há o ótimo artigo do Moysés, publicado na ZH de hoje (e postado no blog dele). Pelo menos deram um pequeno espaço para as vozes discordantes.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Só o que queremos é não nos sentirmos constrangidos?

A Zero Hora publicou hoje o resultado de uma pesquisa que questionou 601 pessoas de "diferentes bairros e classes sociais" sobre o sentimento delas em relação às pessoas que pedem dinheiro nos sinais. O resultado apontado é que 69% dos entrevistados se sentem incomodados pela abordagem dos "pedintes", 11,8% acham que a maneira de agir dos "pedintes" é agressiva e os faz sentir como se fossem assaltados. Além disso, 40,3% dos entrevistados acha que quem pede ajuda no sinal, na verdade, tem preguiça de trabalhar e escolhe o caminho mais fácil. E 40,9% acham que a maioria das pessoas que vivem nas ruas são ladrões.
Estes resultados serviriam como base para o painel RBS que ocorreu na manhã de hoje, com mediação de Lauro Quadros (!) e participação de nove especialistas, que debateram o tema "Constrangimento nas ruas - Até onde vai esse problema?".
Diz o editorial da ZH: "O ponto de partida é a pesquisa de percepção de moradores e freqüentadores da cidade sobre a relação diária com pessoas que pedem ou mesmo tentam extorquir". Nota-se então que a Zero Hora em nenhum momento considera os moradores de rua como moradores e freqüentadores da cidade, justamente eles, que por não terem casa, freqüentam e vivem a cidade muito mais do que nós, constantemente trancafiados em nossas casas e carros.
O problema, para o grupo RBS e para grande parte dos habitantes de Porto Alegre, não são os motivos que levam as pessoas a pedirem dinheiros no sinal, dependendo da boa-vontade alheia, passando fome até conseguir juntar um dinheiro, sendo ignoradas por muitos, que fingem que não as vêem, sendo insultadas por outros. O problema é o constrangimento que esses moradores de rua causam a nós, que não queremos que essas pessoas estraguem nossos dias ao nos lembrarem que a pobreza aumenta e há cada vez mais moradores de rua. Se elas ao menos ficassem quietas, paradas, sem encostar nos nossos carros, sem pedir "uma moedinha pra comer, cinco centavos, dez centavos, qualquer coisa pelamordedeus", talvez não incomodasse tanto. O que precisa ser debatido, para a RBS, é como acabar com o constrangimento que eles nos causam - não como fazer que menos pessoas precisem morar nas ruas, seja por não terem casa, seja por ser melhor estar na rua do que em casa - imaginem então que casa é essa.
Na pequena matéria publicada no site da ZH sobre o debate, o juiz criminal do Fórum Regional da Zona Norte Felipe Keunecke de Oliveira ressalta que é preciso distinguir quem está na sinaleira ou quem pede para roubar dos que querem constranger a população. É absurdo pensar que é fácil passar horas parado no sol, na chuva ou no frio, sentindo o desprezo e o medo dos motoristas, para juntar alguns reais. É absurdo pensar que alguém faria isso apenas para causar constrangimento!
A pesquisa não informa ter entrevistado nenhum morador de rua. Dentre os nove convidados para o debate, não há nenhum morador de rua e apenas uma das "especialistas", Iara da Rosa, da Casa de Convivência II, trabalha de fato com a população de rua. Não interessa a ninguém saber o que pensam aqueles que pedem dinheiro nos sinais? Não interessa a ninguém escutar seus motivos, as dificuldades que enfrentam, como são tratados? Por que não se dá espaço para que essas vozes sejam ouvidas?
Estranho seria se a maioria dos entrevistados não se sentisse mais constrangida por pessoas pedindo dinheiro, se todos estivéssemos tão acostumados em enxergar a pobreza que ela não conseguisse nos abalar mais. O constrangimento que sentimos deveria nos fazer pensar sobre a maneira de tratar os moradores de rua, sobre o que eles sentem e como eles enxergam a situação em que vivem. É incrível que o que esteja problematizado seja o que eles causam na vida da classe média e não as causas de cada vez mais pessoas estarem à margem da sociedade.
Embora muitos finjam que os moradores de rua são invisíveis, eles ainda incomodam e só o que ser quer é que eles saiam do nosso campo de visão.

segunda-feira, 31 de março de 2008

O que importa é o que te faz abrir os olhos de manhã

No final de semana de Páscoa, entre muitas coisas boas, uma surpresa: assistindo a reprises do Radar na TVE de madrugada, eis que faço (fazemos) minha mais nova descoberta musical. A Vanguart é uma banda de Cuiabá que se define como sendo folk-rock e cujas influências são, entre outros, Bob Dylan, Velvet Underground, Johnny Cash e Beach Boys. Gostei bastante, muito melhor que as bandinhas indie rock porto-alegrenses, na minha humilde opinião. Destaque para as músicas Semáforo, Enquanto isso na Lanchonete e Los Chicos de Ayer.
(Aos que gostam de Moptop, informo: eu acho que parece com o Moptop, mas umas dez vezes melhor. Aos que não gostam: Gabriel diz que é uma comparação sem nenhum sentido)

Como sempre acontece comigo, eu comecei a gostar da banda uma semana depois de ela fazer show em Porto Alegre. Sorte a minha que essa é brasileira e vai voltar logo pra cá.


quinta-feira, 27 de março de 2008

Uma puta história

Na última segunda-feira, 24 de março, foi lançada a terceira edição da revista Norte - cultura no sul do mundo (e eu já gostei do nome), em que gaúchos escrevem sobre literatura, cinema e artes plásticas, entre outras coisas. É uma revista magrinha, com um projeto gráfico bonito e matérias interessantes, e custa apenas R$ 3,50.
Dentre as matérias, a revista publicou o primeiro capítulo de um folhetim que está sendo escrito por seis prostitutas de Porto Alegre vinculadas ao Núcleo de Estudos da Prostituição (NEP). "Mariposa - uma puta história" é uma narrativa ficcional sobre a vida de Fran, personagem inventada misturando características da personalidade e pedaços da vida de cada uma das autoras. Como elas mesmo dizem na introdução, quem ler vai ficar "sabendo que não é verdade que prostituta não vale nada e não tem vergonha de nada".
A revista Norte já ganhou meu respeito pela iniciativa de abrir espaço para que as prostitutas falem, através da ficção, sobre como elas vivem, sobre os problemas e os aspectos positivos da sua profissão, sobre a discriminação de que são alvo. São elas mesmo mostrando como enxergam o mundo, e não alguém contando a história por elas, fazendo reportagens em que elas são apenas as fontes. É um projeto com o objetivo de fazer que vozes que nunca são ouvidas pelos meios de comunicação encontrem um espaço de manifestação. É uma tentativa de modificar alguns olhares preconceituosos, mostrando que a palavra prostituta não resume tudo o que uma pessoa é. Em Porto Alegre, são cerca de 10 mil mulheres que, além de trabalharem como prostitutas, têm famílias, sonhos, histórias sofridas ou nem tanto, assim como todo mundo.
O folhetim surgiu em oficinas de escrita coordenadas pela jornalista Rosina Duarte (minha querida chefe/colega) e pela psicóloga Maíra Brum Rieck, que se perguntavam: "o que aconteceria se essas pessoas fossem ouvidas, não na condição de marginais, de quem está do lado de fora, mas a partir do seu próprio ponto de vista? O que aconteceria se deslocássemos, ainda que levemente, o ângulo da nossa visão? O que aconteceria se escutássemos o que elas têm a dizer? "
São as mesmas questões que motivaram o surgimento do Boca de Rua e que, acredito eu, deveriam inspirar todos os veículos de comunicação comunitária.

quinta-feira, 20 de março de 2008

O telejornalismo cretino de todos os dias

Eu detesto assistir a qualquer programa de televisão, mas os telejornais têm o dom de me irritar profundamente. Eu sou uma péssima companhia para assisti-los, pois sempre discuto com a televisão (o que incomoda muito os meus pais). Os telejornais da RBS TV são os principais atingidos pela minha ira, em especial seus comentaristas - todos de altíssimo nível, lógico, sendo o Paulo Sant`ana o melhorzinho.

Hoje, porém, o Jornal da Band passou dos limites do tolerável. A matéria final da edição comentou que o projeto de lei que diminui a maioridade penal para 16 anos estava parado no Congresso. Depois começou a defesa canalha do projeto de lei: foram mostradas, pela milésima vez na televisão, fotografias do menino João Hélio, morto por um menor de 18 anos. E também fotografias do casal de adolescentes que foi brutalmente assassinado em um camping de São Paulo - por um menor de 18 anos, claro. E assim seguiram outros casos que foram abordados de maneira muito sensacionalista pela mídia brasileira na época em que ocorreram.

Mas o pior ainda estava por vir quando a matéria mostrou um adolescente acusado de assassinato que estava internado na FASE. O menino aparecia de costas, algemado, e o repórter (Fernando Vieira Mello, o âncora de hoje) exclamava, indignado: "este menino vai ficar apenas três anos internado. Ele não trabalha, faz cinco refeições por dia e ainda pode assistir a TV e jogar video-game. A população não aguenta mais isso! Está na hora dos políticos aprovarem esse projeto de lei".

Só faltou iniciar uma campanha para cortarem as refeições dos adolescentes da FASE.
Como diria o Moyses, é dose pra mamute.

segunda-feira, 3 de março de 2008

A antropologia me dá medo (e o resto do mestrado também)

Hoje descobri que um amigo querido, sociólogo, foi chamado para um curso de alguns meses na Folha de São Paulo. E que depois pode ser contratado para trabalhar no jornal. Ele decidiu não iniciar o mestrado em sociologia para estudar/trabalhar na Folha. Alegro-me imensamente porque até eu, com a minha vontade e vocação zero para a reportagem, me esforçaria para trabalhar lá. Alegro-me mais ainda por saber que o jornalismo será menos cretino com o Amaro entre seus profissionais.

(Pequena observação: particularmente, acho ridícula a campanha da Fenaj e do Sindicato dos Jornalistas do RS que defende os "Jornalistas por formação: melhor para o jornalismo, melhor para a sociedade", justo em um momento em que os cursos universitários se preocupam em formar técnicos em colocar sites no ar ou máquinas de escrever lides. E não seres pensantes, capazes de críticas consistentes ou o aprofundamento de algum assunto).



Hoje, mesmo dia em que Amaro mudou para o jornalismo, eu voltei para a antropologia. Eu bem que tento fugir, mas não consigo abandonar de vez (embora tenha desistido depois de três anos e meio remando no curso). Amanhã começa minha muito esperada vida de mestranda em comunicação, justamente com uma cadeira de Teorias da Cultura, bem distante das novas tecnologias e da estética dos meios. Estou morrendo de medo, mesmo. Serei eu capaz?

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A pergunta do Bocão

Na última segunda-feira, o Boca de Rua entrevistou Juliano Fripp, representante dos camelôs que trabalham na Rua da Praia e que fazem parte dos 800 ambulantes que serão transferidos para o Centro Popular de Compras (CPC), o camelódromo do terminal Rui Barbosa, a partir de maio. Eles esperam que a mudança de espaço ocasione a diminuição da violência policial e dos abusos da SMIC, já que só poderá alugar a banca quem tiver o bendito alvará - nada de vendedores de CD ou de DVD, portanto.

O camelódromo vai abrigar apenas um terço dos ambulantes do centro de Porto Alegre, que são cerca de 2.500. Como ainda não foram estabelecidos quais os critérios que definirão quem entra ou não no novo prédio (além do alvará), é provável que o assunto ainda gere alguma confusão - certamente noticiada pelo Correio do Povo, que desde 2007 abraçou a campanha "os camelôs assustam a população do centro". A confusão promete ser ainda maior pois, conforme afirmou o Guilherme, que convive sempre com os kaingang e os guarani, os índios que vendem artesanato também deverão sair das ruas para se estabelecer no CPC.

Embora a entrevista tenha me informado sobre questões até então desconhecidas, o maior momento dela, ao meu ver, foi quando o Bocão, integrante mais antigo do jornal, fez a seguinte pergunta:
- Se acaso eu quiser comprar alguma coisa nos camelôs, quero subir no prédio que fizeram novo e não quero ir nos camelôs da rua, vai precisar de alguma coisa pra poder entrar no prédio? Algum crachá, alguma identificação?


Eu, que quase nunca preciso mostrar documento para entrar em algum lugar, me pergunto quantas vezes ele já deve ter sido barrado em locais como mercados, lojinhas e restaurantes. E busco na memória quantas histórias eu já escutei de estabelecimentos comerciais que não os deixaram entrar, mesmo quando eles mostravam o dinheiro. Os camelôs também sofrem na mão da polícia, também são perseguidos pelos órgãos da prefeitura e também são mostrados nos jornais como a "escória da sociedade". A pergunta do Bocão me fez pensar em tudo o que ele já deve ter passado para imaginar que nem mesmo os camelôs, que compartilham alguns problemas com os moradores de rua, aceitariam que eles entrassem em um prédio comercial.

Eis a resposta do Juliano:
- Se houver qualquer tipo de negociação ou atitude desse tipo, que alguém peça um crachá ou uma identificação pra pessoa poder entrar dentro do camelódromo, essa pessoa tem que ser presa, porque aquele espaço é público.

Deixaste o meu dia um pouco mais leve, Juliano.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Quien no compra no existe y quien no tiene no es.

Eu adoro o que o Eduardo Galeano escreve. É dele o único texto sobre comunicação que já me fez chorar, de tão lindo. Hoje recebi da estimada Clarinha o texto que segue. É enorme, é em espanhol, mas vale a pena.

Los Prisioneros - Eduardo Galeano

El Estado, que jamás va preso, asesina por acción y por omisión. Crímenes por acción: a fines del año pasado, la policía militar de Río de Janeiro reconoció oficialmente que venía matando civiles a un ritmo ocho veces más acelerado que el año anterior, mientras la policía de los suburbios de Buenos Aires cazaba jóvenes como si fueran pajaritos. Crímenes por omisión: al mismo tiempo, cuarenta enfermos del riñón murieron en el pueblo de Caruarú, en el nordeste de Brasil, porque la salud pública les había hecho diálisis con agua contaminada; y en la provincia de Misiones, en el nordeste de la Argentina, el agua potable, contaminada por los plaguicidas, generaba bebés con labios leporinos y deformaciones en la médula espinal.

En la era de la privatizaciones y el mercado libre, el dinero se propone gobernar sin intermediarios. ¿Cuál es la función que se atribuye al Estado? El Estado debe ocuparse de la disciplina de la mano de obra barata, condenada a salarios enanos, y a la represión de las peligrosas legiones de brazos que no encuentran trabajo: un Estado juez y gendarme, y poco más. De los otros servicios públicos, ya se encargará el mercado, y de la pobreza, gente pobre, regiones pobres, ya se ocupará Dios, si la policía no alcanza. La administración pública sólo puede disfrazarse de madre piadosa muy de vez en cuando, atareada como está en consagrar sus menguadas energías a las funciones de vigilancia y castigo. En el proyecto neoliberal, los derechos públicos se reducen a favores del poder, y el poder se ocupa de la salud pública y de la educación pública como si fueran formas de la caridad pública.

El arte de borrar huellas

Mientras tanto, crece la pobreza y crecen las ciudades y crecen los asaltos y las violaciones y los crímenes. "La criminalidad crece mucho más que los recursos para combatirla", reconoce el ministro del Interior del Uruguay. La explosión del delito se ve en las calles, aunque las estadísticas oficiales se hagan las ciegas, y los gobiernos latinoamericanos confiesan, de alguna manera, su impotencia. Pero el poder jamás confiesa que está en guerra contra los pobres que genera, en pleno combate contra las consecuencias de sus propios actos. "La delincuencia crece por culpa del narcotráfico", suelen decir los voceros oficiales, para exonerar de responsabilidad a un sistema que arroja cada vez más pobres a las calles y a las cárceles y que condena cada vez más gente a la desesperanza y la desesperación.

Las cumbres irradian el mal ejemplo de su impunidad. Se castiga abajo lo que se aplaude arriba. El robo chico es delito contra la propiedad, el robo en gran escala es derecho de los propietarios: uno es asunto del Código Penal, el otro pertenece a la órbita de la iniciativa privada. El poder, que elogia al trabajo y a los trabajadores en sus discursos pero los maldice en sus actos, sin pudor alguno recompensa la deshonestidad y la falta de escrúpulos. La respetable tarea tiene por cómplices a los grandes medios de comunicación, que mienten callando casi tanto como mienten diciendo.

¿Denuncias o confesiones?

Y mientras el poder enseña impunidad, esos grandes medios, y sobre todo la televisión, difunden mensajes de violencia y de consumismo obligatorio. Una reciente investigación universitaria reveló que los niños de Buenos Aires ven, cada día, cuarenta escenas de violencia en la pantalla chica. ¿Cuántas escenas de consumismo ven? ¿A cuántos ejemplos de despilfarro y ostentación asisten cada día? ¿Cuántas órdenes de comprar reciben los que poco o nada pueden comprar? ¿Cuántas veces por día se les taladra la cabeza para convencerlos de que quien no compra no existe, y quien no tiene, no es? Paradójicamente, la televisión suele trasmitir discursos que denuncian la plaga de la violencia urbana y exigen mano dura, mientras la misma televisión imparte educación a las nuevas generaciones derramando en cada casa océanos de sangre y de publicidad compulsiva: en este sentido, bien podría decirse que sus propios mensajes están confirmando su eficacia mediante el auge de la delincuencia.

Las fábricas de opinión pública echan leña a la hoguera de la histeria colectiva, y mucho contribuyen a convertir la seguridad pública en obsesión pública. Cada vez tienen más ecos los gritos de alarma que se pronuncian en nombre de la población indefensa ante el acoso del crimen. Se multiplican los asustados, y los asustados pueden ser más peligrosos que el peligro que los asusta. Para acabar con la falta de garantías de los ciudadanos, se exigen leyes que suprimen las garantías que quedan; y para dar más libertad a los policías, se exigen leyes que sacrifican la libertad de todos los demás -incluso en países como el Uruguay, donde las estadísticas confiesan que los policías son, en proporción, los ciudadanos que más delitos cometen.

No sólo los vividores de la abundancia se sienten amenazados. También la clase media, y también numerosos sobrevivientes de la escasez: pobres que sufren el asalto de otros pobres más pobres o más desesperados. En sociedades que prefieren el orden a la justicia, hay cada vez más gente que aplaude el sacrificio de la justicia en los altares del orden: hay cada vez más gente convencida de que no hay ley que valga ante la invasión de los fuera de la ley. Hay un clamor creciente por la pena de muerte en la opinión pública de varios países latinoamericanos; y las matanzas de niños por los escuadrones parapoliciales de la muerte en Bogotá, Río de Janeiro o la ciudad de Guatemala son pública o secretamente aplaudidas por un sector considerable de la sociedad. Se considera normal la tortura del delincuente común, o de quien tenga cara de; y llama la atención el silencio de algunos organismos de derechos humanos, en países donde la policía tiene la costumbre de arrancar confesiones mediante métodos de tortura idénticos a los que las dictaduras militares aplican contra los presos políticos.

Las otras jaulas

Presos: las dictaduras militares ya no están, pero las frágiles democracias latinoamericanas tienen sus cárceles hinchadas de presos. Los presos son pobres, como es natural, porque sólo los pobres van presos en países donde nadie va preso cuando se viene abajo un puente recién inaugurado, cuando se derrumba un banco vaciado por los banqueros o cuando se desploma un edificio construido sin cimientos. Cárceles inmundas, presos como sardinas en lata: en su gran mayoría, son presos sin condena. Muchos, sin proceso siquiera, están ahí no se sabe por qué. Si se compara, el infierno del Dante parece cosa de Disney. Continuamente, estallan motines en estas cárceles que hierven. Entonces las fuerzas del orden cocinan a tiros a los desordenados y de paso matan a todos los que pueden, con lo que se alivia la presión de la superpoblación carcelaria -hasta el próximo motín.

En realidad, bien se podría decir que presos estamos todos, quien más, quien menos. Los que están en las cárceles y los que estamos afuera. ¿Están libres los presos de la necesidad, obligados a vivir para trabajar porque no pueden darse el lujo de trabajar para vivir? ¿Y los presos de la desesperación, que no tienen trabajo ni lo tendrán, condenados a malvivir a los zarpazos? Y los presos del miedo, ¿estamos libres? ¿No estamos todos presos del miedo? Todos enrejados: ya hay plazas públicas rodeadas de rejas en algunas ciudades latinoamericanas, y están enrejadas las casas de todos los que tenemos algo que perder, aunque sea poco, aunque sea nada; yo he visto rejas hasta en algunos ranchos de lata y madera de los suburbios pobres. Los de arriba y los del medio y los de abajo: en sociedades obligadas al sálvese quien pueda, aterrorizadas por los manotazos de sus náufragos, estamos todos presos: los vigilantes y los vigilados, los elegidos y los parias.

Los hechos se burlan de los derechos. Retrato de América Latina al fin del milenio: ésta es una región del mundo que niega a sus niños el derecho de ser niños. Los niños son los más presos entre todos los presos, en esta gran jaula donde se obliga a la gente a devorarse entre sí. El sistema de poder, que no acepta más vínculo que el pánico mutuo, maltrata a los niños. A los niños pobres los trata como si fueran basura. Y a los del medio los tiene atados a la pata del televisor.

En la burbuja del poder

En el océano de los que necesitan, las islas de los que más tienen tienden a convertirse en lujosos campos de concentración, donde los poderosos sólo se encuentran con los poderosos y nunca pueden olvidar, ni por un ratito, que son poderosos. En algunas de las grandes ciudades latinoamericanas, donde los secuestros se han hecho costumbre, los niños ricos crecen encerrados dentro de la burbuja del miedo. Habitan mansiones amuralladas, grandes casas o grupos de casas rodeadas de cercos electrificados y guardias armados, y están día y noche vigilados por los guardaespaldas y por las cámaras de los circuitos cerrados de televisión. Viajan, como el dinero, en autos blindados. No conocen, más que de vista, la ciudad donde viven. Descubren el subterráneo en París o en Nueva York, pero jamás lo usan en San Pablo o en la ciudad de México.

Ellos no viven en la ciudad donde viven. Tienen prohibido ese vasto infierno que acecha su minúsculo cielo privado. Más allá de las fronteras del privilegio, se extiende una región del terror donde la gente es mucha, fea, sucia y peligrosa. En plena era de la globalización, los niños ricos no pertenecen a ningún lugar. Crecen sin raíces, despojados de identidad nacional, y sin más sentido social que la certeza de que la realidad es una amenaza. Tienen por patria las marcas de prestigio universal y por lenguaje los códigos internacionales. Los niños ricos de las ciudades más diversas se parecen en sus costumbres, tanto como entre sí se parecen los shopping centers y los aeropuertos, que están fuera del tiempo y del espacio. Educados en la realidad virtual, los niños ricos se deseducan en la ignorancia de la realidad real, que sólo existe para ser temida o para ser comprada.

Desde que nacen, son entrenados para el consumo y para la fugacidad, y transcurren la infancia comprobando que las máquinas son más dignas de confianza que las personas. Fast food, fast cars, fast life: mientras esperan que llegue la hora del ritual de iniciación, cuando el primer Jaguar o Mercedes les sea regalado, ellos ya se lanzan a toda velocidad a las autopistas cibernéticas, a toda velocidad compiten en las pantallas electrónicas y a toda velocidad devoran imágenes y mercancías haciendo zapping y haciendo shopping.

La pobreza como delito

Muchos antes de que los niños ricos dejen de ser niños y descubran las drogas caras que aturden la soledad y enmascaran el miedo, ya los niños pobres están aspirando pegamento. Mientras los niños ricos juegan a la guerra con balas de rayos láser, ya las balas de plomo acribillan a los niños de la calle. Algunos expertos llaman "niños de escasos recursos" a los que disputan la basura con los buitres en los suburbios de las ciudades. Según las estadísticas, hay setenta millones de niños en estado de pobreza absoluta, y cada vez hay más, en esta América Latina que fabrica pobres y prohíbe la pobreza. Entre todos los rehenes del sistema, ellos son los que peor la pasan. La sociedad los exprime, los vigila, los castiga, a veces los mata: casi nunca los escucha, jamás los comprende.

Nacen con las raíces al aire. Muchos de ellos son hijos de familias campesinas, que han sido brutalmente arrancadas de la tierra y se han desintegrado en la ciudad. Entre la cuna y la sepultura, el hambre o las balas abrevian el viaje. De cada dos niños pobres, uno trabaja, deslomándose a cambio de la comida o poco más: vende chucherías en las calles, es la mano de obra gratuita de los talleres y las cantinas familiares, es la mano de obra más barata de las industrias de exportación, que fabrican zapatillas o camisas para las grandes tiendas del mundo. ¿Y el otro? De cada dos niños pobres, uno sobra. El mercado no lo necesita. No es rentable, ni lo será jamás. Y quien no es rentable, ya se sabe, no tiene derecho a la existencia. El mismo sistema productivo que desprecia a los viejos, expulsa a los niños. Los expulsa, y les teme. Desde el punto de vista del sistema, la vejez es un fracaso, pero la infancia es un peligro.

En muchos países latinoamericanos, la hegemonía del mercado está rompiendo los lazos de solidaridad y está haciendo trizas el tejido social comunitario. ¿Qué destino tienen los dueños de nada en países donde el derecho de propiedad se está convirtiendo en el único derecho sagrado? Los niños pobres son los que más ferozmente sufren la contradicción entre una cultura que manda consumir y una realidad que lo prohíbe. El hambre los obliga a robar o a prostituirse; pero también los obliga la sociedad de consumo, que los insulta ofreciendo lo que niega. Y ellos se vengan lanzándose al asalto. En las calles de las grandes ciudades, se forman bandas de desesperados unidos por la muerte que acecha. Según la organización Human Rights Watch, los grupos parapoliciales matan seis niños por día en Colombia y cuatro por día en Brasil. ¿Y ellas? Hay medio millón de niñas brasileñas que venden el cuerpo, casi tantas como en la India, y en la República Dominicana la próspera industria del turismo ofrece subastas de niñas vírgenes.

El pánico y sus trampas

Entre una punta y la otra, el medio. Entre los que viven prisioneros del desamparo y los que viven prisioneros de la opulencia, están los niños que tienen bastante más que nada, pero mucho menos que todo. Cada vez son menos libres los niños de clase media. Les confisca la libertad, día tras día, la sociedad que sacraliza el orden mientras genera el desorden. En estos tiempos de inestabilidad social, cuando se concentra la riqueza y la pobreza se difunde a ritmo implacable, ¿quién no siente que el piso cruje bajo los pies? La clase media vive en estado de impostura, simulando tener más que lo que tiene, pero nunca le ha resultado tan difícil cumplir con esta abnegada tradición. Está, hoy por hoy, paralizada por el pánico: el pánico de perder el trabajo, el auto, la casa, las cosas, y el pánico de no llegar a tener lo que se debe tener para llegar a ser. Nadie podrá reprocharle mala conducta. La sufrida clase media sigue creyendo en la experiencia como aprendizaje de la obediencia, y con frecuencia defiende todavía al orden establecido como si fuera su dueña, aunque no es más que una inquilina del orden, más que nunca agobiada por el precio del alquiler y el pánico al desalojo.

En el pánico, pánico de vivir, pánico de caer, cría a sus hijos. Atrapados en las trampas del pánico, los niños de clase media están cada vez más condenados a la humillación del encierro perpetuo. En la ciudad del futuro, que ya está siendo presente, los teleniños, vigilados por niñeras electrónicas, contemplarán la calle desde el balcón o la ventana: la calle prohibida por la violencia, o por el pánico a la violencia; la calle donde ocurre el siempre peligroso, y a veces prodigioso, espectáculo de la vida.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Juiz proíbe mídia de citar agressores de prostituta

Da Folha de São Paulo:


CENSURA TOGADA
Juiz proíbe mídia de citar agressores de prostituta
Por Sérgio Rangel / FSP em 11/1/2008

O juiz Joaquim Domingos de Almeida Neto, do 9º Juizado Especial Criminal, proibiu dez veículos de comunicação de exibir imagens e citar os nomes de três estudantes condenados por agressão a uma prostituta em novembro passado no Rio. As entidades que representam veículos de comunicação repudiaram o veto e defenderam ações judiciais contra ele.

Três estudantes de classe média (Fernando Mattos Roiz Júnior, 19, Luciano Filgueiras da Silva Monteiro, 21, e um menor) agrediram prostitutas e travestis com um extintor de incêndio roubado na Barra da Tijuca dois meses atrás.

Eles foram presos, e o juiz Almeida Neto condenou os dois universitários (Fernando e Luciano) a prestar oito horas semanais de serviços à companhia de limpeza urbana do Rio por um ano – os dois recolhem lixo e ajudam a limpar pichações em postes e muros.

A ação contra os meios de comunicação foi proposta pelo Ministério Público do Estado a pedido dos advogados dos universitários, Leonardo Siqueira e Bruno de Oliveira. "Eles já estão cumprindo a pena e estavam sofrendo represálias na rua por causa das cenas exibidas nos jornais", disse Siqueira.

O juiz proibiu os veículos de mencionar os estudantes em reportagens, inclusive via internet. Caso a decisão seja descumprida, o juiz estabelece na sentença multa de R$ 10 mil.
Segundo a decisão (tomada em 22 de novembro, mas só informada anteontem [9/1]), os "principais veículos de comunicação locais [redes de TV Globo, TVE, Bandeirantes, CNT, Record, Rede TV] e jornais de grande circulação [O Globo, Jornal do Brasil, Extra, O Dia]" terão que se abster "de veicular imagem dos autores do fato".

A ANJ (Associação Nacional de Jornais), a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) e a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) protestaram contra a decisão. Segundo a ANJ, o juiz "praticou censura prévia e afrontou a Constituição": "Não cabe a ninguém decidir qual informação deve chegar aos cidadãos". A ANJ recomenda que os veículos de comunicação recorram da proibição, para que o Judiciário restabeleça o princípio da liberdade de expressão.
A Abert repudiou a decisão e disse ter "confiança no Poder Judiciário como guardião dos princípios da liberdade de imprensa". A ABI declarou que a decisão "ofende à Constituição, ignorando a disposição mencionada, e devolve o país aos tempos do autoritarismo".

O Amor nos Tempos do Cólera




Como há tempos não acontecia, os cinemas porto-alegrenses estão cheios de filmes que eu gostaria de assistir. Duvido que eu consiga ver todos. Minha temporada Bom Princípio-Buenos Aires resultou na perda de Império dos Sonhos (Inland Empire), mas eu torço para que o AeroGuion – um dos meus cinemas preferidos – o recoloque em cartaz em breve.


Na minha modesta lista dos filmes que precisam ser assistidos estão Across the Universe, A vida dos outros e Meu Nome não é Johnny. O mais esperado é Desejo e Reparação (Atonement), baseado no livro Reparação, do inglês Ian McEwan, minha descoberta literária de 2007. Sempre fico receosa com adaptações das obras que gosto para o cinema, porque o roteiro nunca contempla toda a história e na minha imaginação as personagens costumam ser muito melhores que no filme. As críticas que li, porém, são positivas e garantem que o próprio McEwan aprovou o resultado.


A paixão por García Márquez fez com que eu esperasse com ansiedade o lançamento de O Amor nos Tempos do Cólera, primeiro escolhido do ano. Fui assisti-lo com o mesmo receio de que falo acima, acrescido de outros motivos. Primeiro, junto com o Cem Anos de solidão, o Amor nos tempos do Cólera é o melhor livro do Gabo, o que aumenta as chances do filme não chegar aos pés. Depois, o próprio escritor disse que o diretor Mike Newell não conseguiria filmar a história. Por fim, Pedro e Paola, meus cineastas queridos, disseram que o filme era muito ruim e que não valia meu dinheiro. Mesmo assim, eu sou teimosa e fui.


Observação: escolhi o cinema do Moinhos, por causa do desconto do dia e pela menor quantidade de pessoas comilonas de pipoca. Ninguém merece assistir a qualquer filme escutando a mastigação das pessoas que estão sentadas perto. (Gente, pipoca se come em casa ou então antes do filme começar!). Infelizmente, o número de pacotes de pipoca foi muito maior do que o esperado.


O Amor nos Tempos do Cólera começa com uma pequena animação para anunciar o título. Bonitinha, coloridinha, flores que se mexem, mas não me conquistou. Como quase nada da película. Eu gosto muito da história, portanto não consigo achar totalmente ruim e não me pareceu tão longo. Entretanto, é decepcionante em muitos pontos.


Os atores são, em sua maioria, de origem espanhola. A história se passa em Cartágena das Índias, na Colômbia. A língua original do livro é o espanhol. E os diálogos do filme são em inglês. Horrível, pois é um inglês muito mal falado, com sotaque carregadíssimo. As crianças que aparecem de fundo gritam em espanhol e os atores usam umas expressões em espanhol no meio das conversas. Péssima escolha.


A maquiagem não funciona e não consegue deixar o espanhol Javier Bardem e a italiana Giovanna Mezzogiomo, que interpretam Florentino Ariza e Fermina Daza, com ares de 70 anos. Talvez por isso eles exagerem na interpretação e ajam como se tivessem 90 anos e estivessem quase morrendo. Não convence, não convence. Giovanna também não consegue passar nenhum carisma à personagem e eu saí do cinema com raiva da Fermina, o que não lembro de ter acontecido no livro.


Para completar, a trilha sonora foi feita pela Shakira. Ou melhor, usaram músicas da Shakira, pois a trilha sequer é original. É triste o momento em que Fermina é obrigada pelo pai a sair da cidade para ficar longe de Florentino e, durante a viagem de mulas até o interior, toca Pienso em ti, música do álbum Pies Descalzos, de 1996. Do tempo em que eu gostava de Shakira.

Enfim, embora vários aspectos tenham me desagradado, não tive vontade de sair no meio da sessão. Por R$ 5,00, valeu. Ao menos me deu motivos para escrever e postar alguma coisa nesse blog envergonhado e desatualizado.