quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Posso tirar os óculos?

Há muitas coisas nessa cidade que me machucam.
A Cidade Baixa tem se tornado um lugar que me apavora, pois sei que sempre voltarei triste de lá. Posso parecer uma criança boba, mas o número de pessoas vendendo amendoins, incensos, meias, balas, santinhos ou simplesmente pedindo dinheiro me desperta um sentimento de impotência. Podem me dizer que, se eles estão ali, é porque conseguem vender, porque juntam algum dinheiro que lhes permita sobreviver (ao menos mais um pouco). Entretanto, eu não me conformo.
Na semana passada, encontrei um menino chamado Josias vendendo balas de goma. Ele deveria ter uns 5 anos e tinha um sorriso lindo, com covinhas imensas nas bochechas. Só tive vontade de pegar no colo. Nunca vou me acostumar com o trabalho de uma criancinha, que deveria estar brincando ou dormindo - já que eram 10 horas da noite. Nunca vou poder ser indiferente a isso.
Hoje eu saí sem óculos - só me dei conta quando estava no elevador, já que dentro de casa eu não preciso muito deles. Só andei uma quadra. É uma sensação agoniante: só chego à esquina porque conheço o caminho de olhos fechados, não reconheço ninguém, não encontro o que procuro no mercadinho. As cores e informações visuais me deixam tonta.
Já enxergo pouco.
Algumas coisas podiam ser assim simples: queria poder tirar meus óculos e não enxergar os Josias que me entristecem. Até posso, mas eles vão continuar ali - de modo que não adianta absolutamente nada e eu vou continuar chorando por isso.
Eis um texto egoísta e bobo, mas que precisava ser escrito.

5 comentários:

Anônimo disse...

Ter como estilo de vida o "nao-enxergar" os problemas (de qualquer ordem) representa, sem duvida, a atitude mais imbecil que alguem pode ter.

No outro extremo esta o "complexo de Madre Teresa": sao aquelas pessoas que vivem 99,89% para os outros e se esquecem que EXISTEM.

Nada melhor do que se indignar contra as coisas ruins e tratar de FAZER ALGO, como tu faz (e muito) em prol de alguns desses estigmatizados pela sociedade.

Agora, procurar viver a vida e (sim) ser feliz, nao deve vir atrelado a um sentimento constante de CULPA por alguem ao alcance da vista estar na (bem) pior.

(ou nao...)

Juriká disse...

Natália e G.D., maravilhosa sintonia!
Chocante, sensível e lindo teu escrito... Além disso tudo, chegou até mim, também, um nó na garganta.

Anônimo disse...

HAHAHAH

Vica disse...

Não sei porquê egoísta, e muito menos bobo. Eu entendo a tua afilhação e não acho que tu não faça nada. Pelo que leio aqui, tu trabalhas em prol de um mundo sem pequeninos vendendo balas e isso é muito. Um beijo.

Moysés Neto disse...

É isso. A realidade é absolutamente nauseante e dolorosa. Nenhuma descrição é mais poderosa que a de Sartre em "A Náusea", quando Roquentin percebe o peso das coisas e do mundo que o rodeio.

O que é a filosofia de Levinas, senão a consciência dessa realidade insuportável e traumática que se põe na nossa frente?

O próprio Levinas, no entanto, reconhece que o seu parâmetro acaba no "santo", e nós não somos (poderíamos ser, mas não somos) santos. Por isso, é sobre essa frágil balança que escreveu o GD lá em cima que nos equilibramos.