sábado, 15 de dezembro de 2007

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Sobre o início

"E dessa insustentável leveza de ser
eu gosto mesmo é de vida real"

(Nação Zumbi - Bossa Nostra)



O ócio que tomou conta da minha vida nos últimos tempos resgatou em mim uma vontade de escrever. Em 2007, toda a minha dedicação à escrita foi utilizada na monografia e nos estudos para o mestrado. Agora que, junto com o ano, tudo isso acabou – e que não estar fazendo nada de muito produtivo tem me angustiado – crio este espaço como uma maneira de obrigar a mim mesma a expor minhas idéias e a vencer a insegurança.


Quem me conhece sabe que é um grande esforço me revelar assim, publicamente, com a consciência de que algumas pessoas podem ler, criticar, discordar ou achar que escrevo mal. Entretanto, preciso aprender a lidar com as críticas ou sempre escreverei apenas no meu diário.


Perguntou-me o Pedro se meu blog seria jornalístico ou literário e eu não soube responder. Penso que aparecerão nele ambas as opções, embora eu considere muito mais fácil escrever matérias do que algo que possa parecer literatura. Veremos o que surgirá nessa cabeça (por vezes transtornada).

Para começar, publico um texto escrito no primeiro semestre deste ano, quando as pontes da avenida Ipiranga foram fechadas e as pessoas que moravam ali foram “retiradas”. Meu início não poderia ser sobre outro tema. Afinal, eu gosto mesmo é de vida real.



É PROIBIDO MORAR NA RUA


"Uma praça não é só uma praça, mas o retrato vivo que guarda a memória da nossa infância. Uma rua nunca é só uma rua, mas o caminho diário que leva à escola, que leva aos amigos, que levamos no peito". Com essas frases, inicia-se o texto de homenagem da Prefeitura Municipal de Porto Alegre à cidade, no dia de seu aniversário. Esquece-se, que, além disto, uma praça e uma rua também podem ser uma casa. No caso da maioria dos dois mil moradores de rua da capital gaúcha, a única casa. E estes, que não têm acesso a empregos, educação ou atendimento de saúde satisfatório, são agora privados da única casa que conseguem encontrar. Em Porto Alegre, não se pode mais viver na rua.


Conhecida internacionalmente como a capital da democracia e do Fórum Social Mundial, Porto Alegre é também, segundo informa o Correio do Povo de 26 de março de 2007, a capital brasileira com a melhor qualidade de vida. Apesar da fama da cidade, é visível que a pobreza está maior por aqui: basta reparar na quantidade de pessoas que pedem dinheiro nos sinais, sejam elas crianças com malabares, limpadores de pára-brisas ou simples “mendigos” mortos de fome.


A Prefeitura Municipal tenta esconder esta realidade, e para isto resolveu promover uma "limpeza", retirando a miséria da vista da classe média. Durante toda a gestão José Fogaça, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, em parceria com a FASC, tem realizado ações nas praças e parques da maior cidade gaúcha e confiscado os pertences daqueles que ali vivem, sob o argumento de que a privatização dos parques é proibida. Justo a FASC, órgão responsável por atender a população de rua, não leva em consideração a importância que os colchões, roupas e panelas têm para essas pessoas. E, ao contrário do que dizem os grandes meios de comunicação, os moradores de rua não são encaminhados para os abrigos. A Guarda Municipal, que acompanha essas ações, apenas os manda "andar". Além disso, ao falar da privatização dos parques, o secretário Beto Moesch desconsidera os CTGs, Associações de Moradores e outros prédios construídos nesses espaços públicos - que, afinal, também não poderiam estar ali. Só são atingidos os que não conseguem se defender e que não encontram meios para reclamar.


A nova medida da Prefeitura foi fechar a parte inferior de sete pontes da Avenida Ipiranga com muros de pedra, para impedir que qualquer pessoa possa morar ou se esconder nesses lugares. Assim, pretende diminuir o número de assaltos na região. Essa atitude foi apoiada pela RBS, em especial pelo jornal Zero Hora, que publicou diversas matérias sobre o fechamento das pontes e sobre os moradores de rua. Por acaso, a primeira ponte a ser murada foi a da esquina da Rua Erico Veríssimo com a Av. Ipiranga - bem em frente à Zero Hora. Erroneamente, o jornal publicou levantamentos que indicam para onde as pessoas estariam sendo encaminhadas. Não escutou os próprios sem-teto, ou teria constatado a real situação dos abrigos ou albergues de Porto Alegre.


Não há vagas suficientes nos aparelhos públicos municipais para abrigar todos os que não têm casa. As filas em frente aos albergues iniciam às 15h, sem garantia de vaga, e as portas abrem apenas às 18h. Dessa maneira, o indivíduo precisa optar entre trabalhar ou dormir no albergue. Os abrigos têm outro funcionamento, com vagas asseguradas, acompanhamento psicológico e assessoria com uma assistente social para elaborar um planejamento com o intuito de sair da rua. Nestes, só sobram espaços para as mulheres.


Além da perseguição dos órgãos municipais, as pessoas em situação de rua de Porto Alegre precisam enfrentar um novo fenômeno na cidade: as ruas em que não se pode mais passar. Na rua Olavo Bilac, na Cidade Baixa, um segurança garante que os moradores de rua não caminhem por ali, sob pena de apanharem de cassetete. Na rua Gaspar Martins, no bairro Floresta, os empresários não desejam que os sem-teto fiquem parados em frente aos prédios ou se sentem nas calçadas.


A próxima etapa no projeto de “limpeza” é o cercamento dos locais de maior trânsito da população de rua, como a Praça Garibaldi, localizada na Av. Venâncio Aires. E depois disso, o que virá? Que outras formas encontrarão para proibir que cidadãos transitem pelos espaços públicos da cidade? Ao que parece, a “capital da democracia” esqueceu-se de um dos direitos básicos assegurados pela Constituição Brasileira: aquele que nos permite ir e vir.