segunda-feira, 23 de junho de 2008

Despedida do Marcelo

O inverno torna a vida na rua muito mais difícil. Hoje perdi mais um amigo integrante do Boca de Rua. Marcelo Souza Guedes morreu dormindo na rua, provavelmente por causa do frio. É apenas junho e só nesse inverno faleceram duas pessoas que me eram queridas.
Fico imaginando o quão duro deve ser dormir ao relento em dias como ontem e hoje. Eu passo frio dentro da minha casa, onde tenho estufas, cobertas e muitas roupas. Vários deles dormem direto nas calçadas, sem nada para se cobrir.
Porto Alegre e outras cidades tão frias deveriam ter projetos efetivos para que as pessoas não precisem dormir nas ruas durante o inverno. As vagas são ampliadas, mas continuam insuficientes. E as regras continuam rígidas como sempre, o que impede o acesso.
Será que nem o frio torna os moradores de rua menos invisíveis?

quinta-feira, 19 de junho de 2008

De lá não sai fotos nas revistas

Eu queria mais 64 anos de músicas e composições dele.
Feliz aniversário aos mais lindos olhos da música brasileira!

A música que mais gosto do Carioca (e que poderia se referir a qualquer subúrbio):

Subúrbio
Chico Buarque


Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa

Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade

Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa

Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores

Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Fala no pé
Dá uma idéia
Naquela que te sombreia

Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda

É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Encantado, Bangu
Fala, Realengo...Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência...

quinta-feira, 12 de junho de 2008

E o mundo tem uma Barbie a menos

Durante toda a minha infância eu fui apaixonada por Barbies. Foram sempre o meu brinquedo favorito e, além das bonecas, tive muitos outros apetrechos relacionados a elas (como a piscina, a sorveteria, a lanchonete, a cozinha).

Por isso, achei graça quando conheci a Barbie de carne e osso: uma pessoa pequeninha, com os cabelos descoloridos e curtos, uma voz mansa e de fala arrastada, bem diferente do que eu imaginava a boneca - que na minha imaginação infantil era uma mulher alta, esbelta e imponente. A Barbie porto-alegrense sempre aparecia trazida pela Chineza, mas nunca se demorava muito no Boca de Rua. Ela gostava de viajar e o fazia bastante. Se não me engano, da última vez caminhou de Minas Gerais até São Paulo. Voltou e resolveu entrar de vez no Boca. Foi aí que tive mais contato com ela.

Ela ganhou um crachá escrito Jerri e participou de dois encontros da oficina de vídeo que eu organizei. No encontro em que se decidiu que a Barbie representaria o papel da mãe no filme que faríamos, ela queixava-se de fortes dores de cabeça e do medo de ter uma doença mais grave.

Depois disso, a Barbie sumiu das reuniões. “Foi para o abrigo”, disse a Chineza. No dia da gravação do filme, não apareceu.

Hoje eu descobri que ela morreu no hospital da Vila Nova. Ao que parece, por falência múltipla dos órgãos. Desde que trabalho no jornal, é para mim a maior perda. Convivi muito pouco com ela, mas conheci uma pessoa alegre, contadora de histórias e que gostava muito de festas. Nas duas últimas vezes que a vi, estava se apagando, mas essa morte foi para mim muito inesperada.

Não sei se ela teve enterro, se ela tem família, se os amigos dela já sabem. Sei que passei todo o dia com uma sensação de impotência gigantesca e a única coisa que me senti capaz foi de prestar uma última homenagem a essa pessoa doce, o Jerri Santos da Costa.