quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A pergunta do Bocão

Na última segunda-feira, o Boca de Rua entrevistou Juliano Fripp, representante dos camelôs que trabalham na Rua da Praia e que fazem parte dos 800 ambulantes que serão transferidos para o Centro Popular de Compras (CPC), o camelódromo do terminal Rui Barbosa, a partir de maio. Eles esperam que a mudança de espaço ocasione a diminuição da violência policial e dos abusos da SMIC, já que só poderá alugar a banca quem tiver o bendito alvará - nada de vendedores de CD ou de DVD, portanto.

O camelódromo vai abrigar apenas um terço dos ambulantes do centro de Porto Alegre, que são cerca de 2.500. Como ainda não foram estabelecidos quais os critérios que definirão quem entra ou não no novo prédio (além do alvará), é provável que o assunto ainda gere alguma confusão - certamente noticiada pelo Correio do Povo, que desde 2007 abraçou a campanha "os camelôs assustam a população do centro". A confusão promete ser ainda maior pois, conforme afirmou o Guilherme, que convive sempre com os kaingang e os guarani, os índios que vendem artesanato também deverão sair das ruas para se estabelecer no CPC.

Embora a entrevista tenha me informado sobre questões até então desconhecidas, o maior momento dela, ao meu ver, foi quando o Bocão, integrante mais antigo do jornal, fez a seguinte pergunta:
- Se acaso eu quiser comprar alguma coisa nos camelôs, quero subir no prédio que fizeram novo e não quero ir nos camelôs da rua, vai precisar de alguma coisa pra poder entrar no prédio? Algum crachá, alguma identificação?


Eu, que quase nunca preciso mostrar documento para entrar em algum lugar, me pergunto quantas vezes ele já deve ter sido barrado em locais como mercados, lojinhas e restaurantes. E busco na memória quantas histórias eu já escutei de estabelecimentos comerciais que não os deixaram entrar, mesmo quando eles mostravam o dinheiro. Os camelôs também sofrem na mão da polícia, também são perseguidos pelos órgãos da prefeitura e também são mostrados nos jornais como a "escória da sociedade". A pergunta do Bocão me fez pensar em tudo o que ele já deve ter passado para imaginar que nem mesmo os camelôs, que compartilham alguns problemas com os moradores de rua, aceitariam que eles entrassem em um prédio comercial.

Eis a resposta do Juliano:
- Se houver qualquer tipo de negociação ou atitude desse tipo, que alguém peça um crachá ou uma identificação pra pessoa poder entrar dentro do camelódromo, essa pessoa tem que ser presa, porque aquele espaço é público.

Deixaste o meu dia um pouco mais leve, Juliano.