sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Despedida da Chineza


Este blog parece um obituário, mas ela merece a homenagem. Merece que todos saibam que existiu e que fez diferença em muitas vidas. Na minha, fez uma enorme diferença.


No dia 20 de agosto de 2008, pela manhã, faleceu Marko Kahn-Su Griá, a Chineza, integrante do Boca de Rua há muitos anos.


Nascida em uma reserva indígena kaingang, perdeu os pais e foi adotada pela professora da reserva, branca. A família da professora se mudou, de modo que a Chineza perdeu o contato com a reserva muito jovem. Algum dia, veio com uma tia fazer compras em Porto Alegre e se apaixonou pela cidade. Resolveu voltar em breve, com a garantia de emprego feita por um amigo. Quando chegou, não havia mais o emprego e ela ficou na rua. E nunca mais saiu. Foram quase 20 anos vivendo nas praças, parques e ruas da cidade.


A Chineza era muito especial. Era índio kaingag, era homossexual, foi travesti, era moradora de rua, era portadora do vírus HIV, era alcóolatra, carregava consigo inúmeros estigmas. Era inteligentíssima, era meiga, era esperta, era esforçada. Falava muito bem, gostava de ir ao cinema, de ler jornal. Na minha opinião, era um capítulo a parte na história do Boca de Rua. Extremamente orgulhosa do seu trabalho no jornal, sempre se podia contar com ela para ir às entrevistas, para escrever textos em casa/na rua, para participar dos eventos.


A Chineza foi organizadora de uma exibição semanal de vídeos na Casa de Convivência I - por isso, agora existe lá uma sala com o seu nome. Gostava de estar na rua com seus amigos, mas tinha consciência do preconceito e de como precisavam lutar para mudar a imagem do morador de rua, para se tornarem seres visíveis e respeitados.


Ela morreu em conseqüência da tuberculose e da pneumonia. Quando perdeu sua melhor amiga, a Barbie, parece que desistiu. Não quis mais se tratar. Foi encaminhada ao hospital, mas avisou que preferia morrer nas ruas, como as outras. Entretanto, no último momento foi para o hospital, e lá que morreu. A Funasa responsabilizou-se pelo enterro e levou-a de volta para a reserva, com o consentimento do cacique.


Só agora consegui escrever sobre ela. O terceiro afeto que perco em pouquíssimo tempo. Fica o pavor de não saber o que fazer para evitar que outros mais morram. Fica o vazio que essa querida amiga deixa em mim.

3 comentários:

Juriká disse...

Essa vida real é "realmente" muito dolorida...

Vica disse...

Que bela homenagem.
Não sei, pra mim o blog sempre abre normal.

Marcella ﻬ disse...

Quanta coisa em tão pouco tempo, quanta gente que te parece querida indo..
E a Chinesa, pelo que li, me pareceu muito especial. Pena eu não ter conhecido, pena o Boca não a ter mais...enfim, tantas coisas em tão pouco tempo.
Sad, Nati.