quarta-feira, 2 de abril de 2008

Só o que queremos é não nos sentirmos constrangidos?

A Zero Hora publicou hoje o resultado de uma pesquisa que questionou 601 pessoas de "diferentes bairros e classes sociais" sobre o sentimento delas em relação às pessoas que pedem dinheiro nos sinais. O resultado apontado é que 69% dos entrevistados se sentem incomodados pela abordagem dos "pedintes", 11,8% acham que a maneira de agir dos "pedintes" é agressiva e os faz sentir como se fossem assaltados. Além disso, 40,3% dos entrevistados acha que quem pede ajuda no sinal, na verdade, tem preguiça de trabalhar e escolhe o caminho mais fácil. E 40,9% acham que a maioria das pessoas que vivem nas ruas são ladrões.
Estes resultados serviriam como base para o painel RBS que ocorreu na manhã de hoje, com mediação de Lauro Quadros (!) e participação de nove especialistas, que debateram o tema "Constrangimento nas ruas - Até onde vai esse problema?".
Diz o editorial da ZH: "O ponto de partida é a pesquisa de percepção de moradores e freqüentadores da cidade sobre a relação diária com pessoas que pedem ou mesmo tentam extorquir". Nota-se então que a Zero Hora em nenhum momento considera os moradores de rua como moradores e freqüentadores da cidade, justamente eles, que por não terem casa, freqüentam e vivem a cidade muito mais do que nós, constantemente trancafiados em nossas casas e carros.
O problema, para o grupo RBS e para grande parte dos habitantes de Porto Alegre, não são os motivos que levam as pessoas a pedirem dinheiros no sinal, dependendo da boa-vontade alheia, passando fome até conseguir juntar um dinheiro, sendo ignoradas por muitos, que fingem que não as vêem, sendo insultadas por outros. O problema é o constrangimento que esses moradores de rua causam a nós, que não queremos que essas pessoas estraguem nossos dias ao nos lembrarem que a pobreza aumenta e há cada vez mais moradores de rua. Se elas ao menos ficassem quietas, paradas, sem encostar nos nossos carros, sem pedir "uma moedinha pra comer, cinco centavos, dez centavos, qualquer coisa pelamordedeus", talvez não incomodasse tanto. O que precisa ser debatido, para a RBS, é como acabar com o constrangimento que eles nos causam - não como fazer que menos pessoas precisem morar nas ruas, seja por não terem casa, seja por ser melhor estar na rua do que em casa - imaginem então que casa é essa.
Na pequena matéria publicada no site da ZH sobre o debate, o juiz criminal do Fórum Regional da Zona Norte Felipe Keunecke de Oliveira ressalta que é preciso distinguir quem está na sinaleira ou quem pede para roubar dos que querem constranger a população. É absurdo pensar que é fácil passar horas parado no sol, na chuva ou no frio, sentindo o desprezo e o medo dos motoristas, para juntar alguns reais. É absurdo pensar que alguém faria isso apenas para causar constrangimento!
A pesquisa não informa ter entrevistado nenhum morador de rua. Dentre os nove convidados para o debate, não há nenhum morador de rua e apenas uma das "especialistas", Iara da Rosa, da Casa de Convivência II, trabalha de fato com a população de rua. Não interessa a ninguém saber o que pensam aqueles que pedem dinheiro nos sinais? Não interessa a ninguém escutar seus motivos, as dificuldades que enfrentam, como são tratados? Por que não se dá espaço para que essas vozes sejam ouvidas?
Estranho seria se a maioria dos entrevistados não se sentisse mais constrangida por pessoas pedindo dinheiro, se todos estivéssemos tão acostumados em enxergar a pobreza que ela não conseguisse nos abalar mais. O constrangimento que sentimos deveria nos fazer pensar sobre a maneira de tratar os moradores de rua, sobre o que eles sentem e como eles enxergam a situação em que vivem. É incrível que o que esteja problematizado seja o que eles causam na vida da classe média e não as causas de cada vez mais pessoas estarem à margem da sociedade.
Embora muitos finjam que os moradores de rua são invisíveis, eles ainda incomodam e só o que ser quer é que eles saiam do nosso campo de visão.

7 comentários:

Marcella ﻬ disse...

Porque ninguém pergunta como os moradores de ruas qual o grau de constrngimento deles em ter que pedir centavos para pode se alimentar, bater de janela em janela dos carros blindados para simplesmente tentar terminar o dia de uma forma um pouco mais humana? Não seria esse o real constragimento?
Boa Nati...

Unknown disse...

Concordo contigo Nati, a imprensa da RBS realmente não abre espaço para o morador de rua marginalizando-os cada vez mais. Vide que o próprio Boca de Rua, na minha opinião deveria ter muitas de suas matérias publicadas na ZH. É triste quando o comprometimento de um veículo de mídia se direciona totalmente para um posicionamento político não abrangindo a sociedade como deveria. E principalmente não cumprindo com a sua função primordial que é de informar a população. Essa matéria, eu lamento, não informa nada de novo e ainda por cima, esconde a verdadeira notícia.

Vica disse...

O marcador define tudo: jornalimos cretino. Sociedade cretina. Pessoas cretinas.

Moysés Neto disse...

Cretinice geral.

Mandei um artigo hoje pra ZH sobre o tema. Vamos ver se será publicado.

Marcella ﻬ disse...

Sinto muito, Mox, mas não será publicado.
ehhehe

G.D. disse...

O nivel e a opiniao programada dos participantes desse "dialogo" me preocupa, e, melhor, me INTRIGA.

O juiz da Vara do Sarandi, por exemplo, se faz presente em debates sobre TODO e QUALQUER assunto do mundo, e, estranhamente, de moradores de rua a usuarios de drogas, passando por contrabandistas e manifestantes de qualquer especie, a solucao que ele fornece SEMPRE gira em torno de "prendam esses vagabundos" e "precisamos de mais presidios". Sempre. Tipo: automatico.

Que bela "discussao" sobre o tema vai sair com essa catrefa...

Vica disse...

O problema mesmo é pensar que esse sujeito é juiz... a nossa magistratura vai mal, muito mal...